segunda-feira, 22 de agosto de 2011

quarta-feira, 25 de maio de 2011

As Amoras e a Vida

Hoje abri uma gaveta com incensos e, o aroma que resultou da mistura entre eles, recordou-me das amoras-do-mato que colhia na minha infância. Rubus rosaefolius Rosaceae, morango silvestre ou amoras-do-mato. Frutificavam às centenas em terrenos baldios e em clareiras na mata.

Uma imagem que guardo é a de uma casa em ruínas. Só restavam as paredes de alvenaria e uma escadaria que conduzia ao alpendre, junto à fachada. A tal casa não possuía mais telhado, nem assoalho e ficava bem no centro de uma dessas clareiras. Dentro dela as amoras-do-mato cresciam até preencher todo espaço entre as paredes.

Do alpendre eu observava as frutas vermelhas, dispersas no emaranhado de arbustos. Os raios de sol que entravam oblíquos pelas aberturas da construção rajavam tudo de amarelo. Apesar da grande concentração de frutas, colhê-las ali dentro era muito penoso. Era preciso descer do alpendre para o nível do solo no interior da casa, onde ficávamos comprimidos contra os espinhos das amoreiras. De maneira que, enquanto as frutas que cresciam ao ar livre estavam disponíveis, aquelas do interior da casa ficavam para outra ocasião.

Pensando naqueles dias, uma metáfora me vem à mente. As frutas espalhadas pela mata, apesar de exigirem maior tempo de busca, ofereciam-se de maneira muito agradável e generosa. Por outro lado, a profusão de frutas confinadas na casa era um convite tentador, mas para colhê-las era necessário um grande sacrifício. Acredito que essa dinâmica seja valida para tudo que buscamos na vida. Devemos sempre avaliar se os sacrifícios exigidos pela ambição são justificáveis.

Para finalizar, a Rubus rosaefolius Rosaceae possui frutos de sabor incomparável, com as quais minha avó preparava o melhor suco que já provei.

quarta-feira, 19 de janeiro de 2011

O Primeiro

Abri os olhos e deparei-me com números desfavoráveis sobre a cômoda, 18:20 em vermelho - vou perder a condução. Às dezenove horas e trinta minutos começa meu turno como vigia na fábrica, mas o trabalho fica do outro lado da cidade. Ainda tonto de sono peguei o dinheiro da passagem, um casaco e botei a cara na rua. É inverno, está escuro, frio e garoando em Curitiba, mas a promessa de uma longa noite não me abala. No bolso do casaco achei uma barra de chocolate, alívio para quem saiu sem comer.

As ruas da vizinhança estão escuras pela ação vândala da molecada, que faz tiro ao alvo com as lâmpadas da iluminação pública. Isso me impede de controlar o tempo, meu relógio não tem luz no visor. Para ganhar alguns minutos opto por cortar caminho pela trilha estreita entre o córrego e o muro da escola. O atalho conduz direto a uma via marginal da BR, onde o ônibus passa. Arrependo-me já nos primeiros metros, a calça respingada de lama e o tênis então, melhor nem lembrar que era branco. Mas é aquela máxima, quando a cabeça não pensa o corpo padece, não é assim?

Do meio do trajeto já posso ver o “orelhão” que fica no fim da trilha, bem perto do ponto de ônibus. Começo uma subida escorregadia, principalmente pela lama agarrada ao solado – Tomara que a chuva tenha atrasado o veículo. Depois de tanto tempo para conseguir uma carteira assinada, não posso perder o emprego vacilando dessa maneira.

Faltando menos de dez metros para alcançar a calçada um sujeito alto, magro e fedorento surge com uma arma. Não consigo ver seu rosto, só um vulto, a iluminação da rodovia incide em suas costas. Estou entre um muro de três metros e um córrego transbordando de água barrenta, atrás de mim uns 50 metros de caminho lamacento até o início da trilha.

O sujeito me aborda : “Passa a grana e o tênis, rápido!” Tento me fazer de desentendido, me espremo entre ele e o muro buscando me esquivar. Ele pressiona o cano contra minha testa, está nitidamente transtornado pela droga, cheio de trejeitos.

Trêmulo e exitante, eu me abaixo para retirar o tênis e é nesse instante que um caminhão passando sob o viaduto nos ilumina com um facho certeiro de seus faróis. Por impulso eu gritei : “Polícia!”, o sujeito virou-se, talvez para ter certeza de que se tratava do mais velho dos truques - distrair o oponente. O caminhão fez a volta e seguiu seu caminho enquanto eu pulava sobre o assaltante. Um braço em volta do corpo para me apoiar e com a outra mão eu puxei o rosto dele pra trás violentamente. Fiz isso tão rápida e seguramente que parecia ensaiado, premeditado. O pescoço do meliante fez um “crec” e ele desabou, o corpo no chão com a cabeça olhando para as costas. Tal qual uma coruja – pensei.

Eu rolei o sujeito até a beira do rio e a enxurrada o carregou como se fosse um tronco podre. Também chutei o revolver para a água. Poucos segundos para dizimar qualquer evidência - era como se nada tivesse ocorrido. Cheguei ao ponto em tempo de alcançar o ônibus. Quando passei pela catraca, olhei para o fundo do corredor e lá encontrei Mariana, sempre linda. Quando seus olhos encontraram os meus, pela primeira vez não se esquivaram, ao contrário, ganhei meu primeiro sorriso.