segunda-feira, 17 de maio de 2010

Sobre os Vampiros de Curitiba

Parte XII

Reunião de família

Audra e Vevila chegaram à mansão preocupadas. Durante a considerável jornada para casa, o calor da fúria já havia dado lugar à reflexões mais profundas sobre as implicações da existência desse vampiro desconhecido na cidade.

Adentraram a mansão e deram de cara com Dom Blasco, Egil e Muriel, sentados ao lado da lareira com um cadáver sobre a mesa de centro. O pai levantou-se prontamente para receber suas primogênitas nos braços, mas não antes de Egil saltar sobre elas, agarrando-as pelo pescoço. O grande homem acolheu suas filhas em um terno abraço - o longo período na mata parecia tê-lo feito maior do que já costumava ser, além de sua aparência que provavelmente se manteria irremediavelmente grotesca. Ambas olharam o corpo fresco na sala, o pai e os irmãos mais novos ainda estavam com as presas e o rosto cobertos de sangue – Sirvam-se minhas filhas, pelo jeito a caça de hoje não obteve êxito – comentou o pai percebendo a inquietação das gêmeas.

Após estarem saciadas, Audra e Vevila colocaram seu pai a par dos negócios da família e complementaram as informações a respeito da Teia, já adiantadas por Muriel. Concluíram o assunto falando sobre o vampiro misterioso, que haviam acabado de descobrir no centro da cidade.

Dom Blasco não gostou nada da notícia, mas não se abalou tanto quanto suas filhas. Tinha experiência suficiente para esperar que mais cedo ou mais tarde, outro de sua espécie cruzaria seu caminho. Para ele, o mais importante naquele momento era confrontar o vampiro para avaliar seu grau de periculosidade. Verificar se sua ascendência era nobre como a deles, ou se estavam tratando de um reles transformado, que por complacência ou descuido teria adquirido o privilégio da imortalidade.

Dependendo do forasteiro, a única solução seria uma execução sumária. Dom Blasco tinha conhecimento de vampiros que no passado transformaram pessoas de maneira inconsequente, levando ao desequilíbrio das espécies e à inevitável impossibilidade de manutenção dos recursos de sangue. Não permitiria que algum aventureiro colocasse a perder todo império que sua família havia construído.

Decidiram que já na próxima noite fariam uma visita ao sujeito, preparados para que o pior pudesse acontecer.

Mal a noite caiu e a família já começava a se aproximar do centro em sua carruagem. Foram deixados nas imediações para acessar os túneis e chegar mais rapidamente à casa do vampiro.

Dom Blasco, observando em minúcias a obra tão comentada na noite anterior, estava muito satisfeito com a iniciativa das filhas. Julgava que ele mesmo não haveria tomado uma decisão tão acertada. Deixou para tratar desse assunto mais tarde, quando também comunicaria sua intenção de manter as filhas no comando dos negócios da família. O patriarca se reservaria apenas à condição de conselheiro para questões mais complexas, como essa que estavam para enfrentar.

Chegaram embaixo da casa do invasor de território. Lá em cima, na construção, o sujeito andava de um lado para o outro da sala, pressentindo a aproximação dos vampiros – Dragomir tinha expectativas muito grandes com relação a esse encontro. Para ele, importava muito descobrir mais a respeito de si e suas origens, algum significado para sua existência que não fosse o prazeroso e irrefreável ímpeto assassino. Vislumbrava a possibilidade de finalmente ter alguém com quem estabelecer uma relação de colaboração, uma amizade talvez. De fato, ele não havia percebido que estava envolvido em uma questão de reivindicação territorial, tão pouco imaginava que sua integridade física estava tão ameaçada.

quinta-feira, 13 de maio de 2010

Sobre os Vampiros de Curitiba

Parte XI

O Invasor

Muriel dormia profundamente, então Vevila e Audra decidiram não perturbar o repouso da irmã e saíram sozinhas para caçar. O fiel cocheiro, membro da Teia, deixou suas amas próximas da igreja matriz e seguiu para o lugar pré-determinado, onde as aguardaria para retornar ao casarão da família nas primeiras horas da madrugada. Por uma questão de descrição, a família Blasco mantinha diferentes carruagens e costumava variar as rotas de fuga durante as noites de caçada.

As mulheres, trajando roupas de viúva e véus que lhes cobriam a face, desceram uma suave ladeira de braços dados, lentamente e com as costas arqueadas para endossar o disfarce. Seus olhos vasculhavam a rua, na busca da presa ideal, quando um rapaz foi arremessado para fora de um bar, logo à frente das duas, quase as acertando em cheio. Lá dentro do recinto, um bando de homens fardados embebedava-se atentos a um rapagão, que teatralmente vangloriava-se por seus feitos em campo de batalha. O mesmo que arremessara seu companheiro de armas para fora por ter pisado em suas botas impecavelmente reluzentes.

As irmãs entreolharam-se - nem precisaram tratar em palavras que o valentão daria um banquete bastante satisfatório. Em uma mesa próxima, as irmãs ouviram um grupo de rapazes comentando da partida logo cedo para Paranaguá, de onde seguiriam por embarcação ao Rio de Janeiro.

Audra e Vevila lamentaram apenas por não estar em companhia de Muriel, que naquele momento entraria despretensiosamente no bar solicitando um copo de água para suas tias idosas, fisgando a atenção de todos, principalmente do macho alfa, que inevitavelmente se ofereceria para escoltar as damas em segurança pelas ruas escuras da cidade, facilitando muito o trabalho das predadoras.

Vevila adiantou-se entrando no bar, seguida pela gêmea, com ares de desespero solicitou o socorro dos bravos e honrados soldados, para recuperar sua bolsa que havia sido surrupiada por um larápio, ali mesmo nas imediações. A suposta bolsa conteria uma generosa quantia de dinheiro que ela dividiria com quem a ajudasse.
Após uma ligeira descrição do marginal fictício os soldados, animados com a recompensa, dispersaram-se pela rua, rapidamente embrenhando-se em vielas e terrenos baldios das proximidades. Audra e Vevila saíram dali também, no encalço de um soldado que observaram afastando-se dos demais algumas quadras rua abaixo – não se tratava do valentão, mas oferecia maior facilidade para a captura.

Acontece que seguindo seu caminho ladeira abaixo, as irmãs observaram a porta de uma casa se abrindo em uma rua adjacente. Uma sombra esguia e imponente permaneceu parada sob o marco da porta, na escuridão, aparentemente analisando a agitação na rua. O homem trancou sua casa, passou pela portinhola rente à calçada e sumiu na escuridão da viela, caminhando em direção oposta à das irmãs. Uma forte rajada de vento frio passou por ele, quase arrancando seu chapéu, e carregou até as irmãs um importante sinal olfativo. As duas ouriçaram-se - como poderia haver outro vampiro em Curitiba? Sem seu conhecimento e consentimento? Isso era péssimo para os interesses da família Blasco.

As gêmeas reconheceram a residência de onde o sujeito saiu como sendo de propriedade da família. Verificaram que naquele momento não havia ninguém que pudesse observá-las e entraram no quintal de Dragomir. Deram a volta na casa e acessaram uma passagem secreta por baixo do assoalho. Começaram a vasculhar a casa para recolher o máximo de informações disponíveis sobre aquele forasteiro. Perceberam que pelos objetos que possuía, não era tão recém chegado à Curitiba quanto imaginavam. Na gaveta do criado mudo acharam uma caderneta com capa de couro. Em páginas marcadas havia uma lista de endereços de imóveis, que as irmãs reconheceram como sendo propriedades dos Blasco, e pior, propriedades por onde a Teia já havia passado com seus túneis. Em outra página, acharam um esboço de mapa, onde os tais imóveis estavam sinalizados por asteriscos em vermelho. Linhas rabiscadas traçavam retas entre esses pontos, aparentemente buscando atribuir algum significado àquela disposição das edificações.

Estava explícito nas anotações que os imóveis haviam sido escolhidos por apresentar o odor vampírico, que para o olfato dos mortais é imperceptível. As irmãs deduziram que o forasteiro ainda desconhecia os túneis, pois além de não serem mencionados na caderneta, também não haviam sido maculados por ele - disso elas tinham certeza.
Audra e Vevila nem se deram ao trabalho de devolver os objetos aos seus lugares. Sabiam que o vampiro inevitavelmente tomaria conhecimento da invasão à sua casa e que, agora, era uma questão de tempo para que o desconhecido chegasse até sua família.

Então, antes de abandonarem a casa, as vampiras espalharam seu odor por todos os cômodos e arrombaram a porta dos fundos, no intuito de continuar dissimulando seus caminhos subterrâneos.

Pularam alguns muros de quintais e caminharam várias quadras para não deixar rastros que pudessem conduzir o intruso aos túneis, pelo menos não antes de definirem a maneira correta de lidar com aquele imprevisto.

Chegaram desconcertadas à carruagem, até ali não haviam percebido que sua refeição tinha sido negligenciada. A sede só as deixou ainda mais irritadas com o insolente, que inadvertidamente causara todo aquele distúrbio.